É fato público e notório que o surgimento e a expansão do surto do novo coronavírus (COVID-19), impôs a necessidade de que medidas cada vez mais restritivas e impactantes fossem implementadas pelas autoridades públicas, resultando em uma crise econômica sem precedentes. Neste cenário, um número significativo de empresas se viu na contingência de cortar gastos com tributos, embora cientes das consequências legais do não cumprimento de suas obrigações fiscais.
Em face da ausência de medidas legais que as aliviassem de seus custos tributários, especialmente nas esferas estadual e municipal, diversas ações vieram a ser ajuizadas – invocando os princípios constitucionais da preservação da empresa e do emprego – com o objetivo de se obter uma decisão judicial que autorizasse as empresas autoras a prorrogar o pagamento de certos tributos (como o ICMS) enquanto pendente a paralisação das suas atividades. Algumas liminares chegaram a ser concedidas em primeira instância, mas em geral essas ações não têm prosperado de imediato. Em São Paulo, por exemplo, as liminares vêm sendo cassadas pela Presidência do Tribunal de Justiça, embora não se possa dizer que as causas dos contribuintes estejam completamente perdidas, pois a discussão ainda não se encontra definitivamente resolvida pelos tribunais superiores.
Seja como for, nos casos de parcelamentos tributários, a situação jurídica não é exatamente a mesma que a enfrentada pelas ações descritas acima. Com efeito, a celebração de um parcelamento no âmbito fiscal apresenta, como se diz em direito, contornos contratuais, não obstante a origem tributária da dívida. Trata-se de um acordo entre duas partes, Fisco e contribuinte, com as suas cláusulas e obrigações previstas regularmente, e este aspecto contratual ou quase-contratual não se desnatura em face da circunstância de o contribuinte não poder se afastar das condições que a outra parte impõe à avença: este fato apenas indica que a figura se aproxima de um contrato de adesão, que não deixa de ser um contrato.
Precisamente por essas razões, nos casos de parcelamento perde força o argumento fazendário segundo o qual a teoria da imprevisão não se aplica em matéria de tributos, com base no qual as liminares acima referidas vêm sendo repelidas. A questão pode e deve, sim, ser examinada à luz da teoria da imprevisão, que encontra assento em disposições expressas do Código Civil, sobretudo os artigos 317, 478, 479 e 480. Sem prejuízo dos demais argumentos de que os contribuintes podem se valer – como o da relevância que adquirem os citados princípios da preservação da empresa e do emprego em situações excepcionais de crise sanitária e econômica – eles também podem alegar nestes casos a onerosidade excessiva representada pelo pagamento das parcelas do acordo que vieram a celebrar antes que a crise sobreviesse, abalando severamente a capacidade econômica de honrar o acordado.
Nestes termos, parece razoável concluir ser viável juridicamente postular-se em juízo: a) que parcelamentos rompidos sejam reativados após a cessação do estado de calamidade ainda vigente, mantendo-se as condições anteriores, porém sem cobrança de multa e juros; b) que parcelamentos em curso e ainda não rompidos sejam suspensos enquanto ainda vigente o estado de calamidade, sem posterior cobrança de multa e juros, nos casos em que a autoridade fiscal não esteja legalmente autorizada a suspender os pagamentos administrativamente.
EQUIPE TRIBUTÁRIA RODRIGUES, ABUD E FERRERONI ADVOGADOS ASSOCIADOS